Sheol, Hades, Geena, tártaro; um breve estudo sobre o inferno bíblico.

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   O que é o inferno bíblico? Primeiramente para entendermos melhor o que significa ‘inferno’ temos que entender que essa palavra não faz parte dos originais, a palavra inferno que hoje conhecemos, origina-se da palavra latina inferus "lugares baixos", infernus. Na Bíblia latina, a palavra é usada para representar os termos: Sheol, Hades, Geena e Tártaro sem distinção. Aqui falaremos um pouco sobre cada uma delas. 

Sheol 

     Este vocábulo aparece 65 vezes, no Velho Testamento muitas veses sinônimo de "bor" (cova), "qeber" (sepulcro), "Abaddon" e "Shahat" (cova profunda ou destruição) e talvez também de "tehom(abismo), ver:  Provérbios 15.11 e 27.20,  Salmos 88, Isaías 14.11-20 e Ezequiel 31 e 32 entre outros, para ver a ligação entre essas palavras. As traduções oscilam entre “sepultura”, “inferno”, “cova' e palavras correlatas. A palavra obviamente se refere de alguma maneira ao lugar dos mortos. 
  
    Não existe acordo sobre a raiz da palavra "Sheol", então algumas etimologias foram propostas, três possíveis candidatos a sua origem linguística são: primeiro, a palavra pode ser derivado do SHA'AL raiz hebraica, que significa "para perguntar, para interrogar, questionar." Em segundo lugar, pode ter surgido como um empréstimo de uma palavra assírio-babilônica ", SHU'ALU", que significa "o lugar de encontro para os mortos." Finalmente, poderia ter evoluído a partir de Assíria "Shilu", que significa "uma câmara."  Nestes casos, é provável que o conceito de Sheol seguiu o mesmo caminho das crenças dos assírios e babilônios, que tinham ideias semelhantes de um submundo, enquanto não tinha tanta semelhança com seus vizinhos Egípcios que eram bem preocupados com a vida após a morte, os antigos hebreus não tinham tanta preocupação com isso a principio. Os hebreus viam a vida a pós a morte mais como se fosse um lugar sombrio.  Algumas passagens bíblicas descrevem Sheol como um lugar de "não existência", "uma cova" (Isaías 38:18, Sl 6:5 e Jó 7: 7-10), em contraste com os fogos perpétuos de Geena ( que será tratado mais adiante) que se desenvolveu no judaísmo tardio.  
    
   Os Hebreus também não tinham uma ideia de uma alma imortal vivendo uma vida completa após a morte,  por exemplo a palavra hebraica nefesh, tradicionalmente traduzido como "alma vivente", sendo mais propriamente entendida como "criatura vivente", é a mesma palavra usada para todas as criaturas que respiram e não se refere a nada imortal ... Todos os mortos descem ao Sheol, e eles se encontram juntos, seja bom ou mau, rico ou pobre, escravo ou livre (Jó 3: 11-19). Ela é descrita como uma região " escura e profunda", a "cova", e "a terra do esquecimento", cortado de Deus e da vida humana acima (Salmos 6:5; 88:3-12), além dessas existem outras passagens bíblicas que nos dão algumas características do Sheol, ele é demonstrado ser em baixo do solo (Is 7:11,Is 14:15 Ez 31:14), é usada a imagem do solo abrindo sua boca para tragar os vivos (num. 16:31-33) ou (Is 05:14), Todos que saem da terra dos viventes vão para la (Gen 25:8-9, Gen 37:35), aparentemente para os antigos o Sheol tinha uma distancia determinada abaixo da terra e poderia ser alcançada (Amós 9:2), Existiam portas de entrada (Is 38:10, Sl 9:14). Embora a realidade predominante sobre o tema Sheol seja de que lá é o fim dos vivos, onde não existe memoria nem louvor ( IS 38:18-19, Sl 6:5, Sl 89:11-12) ainda se vê alguma esperança de que o único detentor de todo o poder tenha misericórdia dos que lá se encontram, tais sentimentos são expressos nas seguintes passagens: Sl 18:5-6 "As cordas do Sheol me envolveram; os laços da morte me alcançaram. Na minha aflição clamei ao Senhor; gritei por socorro ao meu Deus. Do seu templo ele ouviu a minha voz; meu grito chegou à sua presença, aos seus ouvidos". Embora essa passagem traga o termo Sheol de maneira mais poética e não signifique necessariamente que o homem está la, ainda sim nos traz um reflexo da confiança que o povo tinha em seu Deus. Outras passagens são: Sl 86:13 'Seu amor por mim é grande; você me resgatou das profundezas do Sheol" e 1 Sam 2:6   "O Senhor mata e preserva a vida; ele faz descer à sepultura e dela resgata.   

Geena   

     Geena (ou Ge-hinnom) é um lugar de fogo onde os ímpios são punidos. Geena aparece no Novo Testamento e nos escritos dos primeiros cristãos. O poderoso imaginário da Geena origina de um antigo lugar real; assim Geena serve um exemplo da interação entre significados literais e simbólicas na escritura. O conceito de sofrimento na vida pós-morte, até como julgamento foi se aprimorando durante o exilio babilónico e depois no período de dominação Persa. No decorrer dos seculos a literatura rabínica expos o conceito de geena como um local ou estado de sofrimento temporário. Jesus Cristo vivendo nesse período, usou esse conceito ao falar com os Fariseus:  Mat 23:33 "Serpentes! Raça de víboras! Como vocês escaparão da condenação ao inferno(geena).  
  
    A palavra deriva do hebraico: גי (א) -הינום Gehinnom, Significado: Vale de Hinom O vale faz fronteira a sudoeste e ao sul da antiga Jerusalém, Ele é mencionado pela primeira vez em Josué 15:8. Durante o reinado de Acaz, rei de Judá, Geena é mencionada como tendo sido usada para a prática de rituais de sacrifício humano em adoração a deuses das nações vizinhas, particularmente a Moloque. Segundo mencionado em 2 Crônicas 28:1-3 era neste vale que tais práticas, que incluíam o sacrifício de crianças, eram realizadas, a bíblia fala: "Acaz subiu ao trono com vinte anos. E reinou dezesseis anos em Jerusalém. Não fez, como seu antepassado Davi, o que Javé aprova. Imitou o comportamento dos reis de Israel, fazendo estátuas para os ídolos. Queimou incenso no vale dos Filhos de Enom e chegou até a sacrificar seus filhos no fogo, conforme os costumes abomináveis das nações que Javé tinha expulsado de diante dos israelitas."  O neto de Acaz, o Rei Manassés, promovendo este tipo de prática degradante em grande escala, também veio a fazer "os seus próprios filhos passarem pelo fogo no vale do filho de Hinom", conforme 2 Crônicas 33:1, 2 Crônicas 33:6, 2 Crônicas 33:9. O Rei Josias, neto de Manassés, finalmente acabou com esta prática por profanar este lugar, especialmente em Tofete, tornando-o impróprio para a adoração, talvez por espalhar ali ossos ou lixo, conforme 2 Reis 23:10 que informa: "Também profanou a Tofete, que está no vale dos filhos de Hinom, para que ninguém fizesse passar a seu filho, ou sua filha, pelo fogo a Moloch." Sobre os sacrifícios diz-se que os sacerdotes batiam em seus tambores para que os pais não ouvissem os gemidos de seus filhos enquanto eles eram consumidos pelo fogo.   
   
   Com o tempo, o vale de Hinom tornou-se o depósito e incinerador do lixo de Jerusalém. Lançavam-se ali cadáveres de animais para serem consumidos pelos fogos, aos quais se acrescentava enxofre para ajudar na queima. Também se lançavam ali os cadáveres de criminosos executados, considerados imerecedores dum sepultamento decente num túmulo memorial. Quando esses cadáveres caíam no fogo, então eram consumidos por ele, mas, quando os cadáveres caíam sobre uma saliência da ravina funda, sua carne em putrefacção ficava infestada de vermes, ou gusanos, que não morriam até terem consumido as partes carnais, deixando somente os esqueletos. Nenhum animal ou criatura humana vivos eram lançados na Geena, para serem queimados vivos ou atormentados e como todos esses acontecimentos o vale começou ser usado como simbolo de juízoGeenna é mencionado em vários locais no ATJos 15:8, 18:16; Nee 11: 30, 2 Crônicas 28: 3; 33:6 e Jeremias 7:31, 19:2-6, 32:35, e no NT,  Mat 5:22, 5:29, 5:30, 10:28, 18:9, 23:15, 23:33; Mar 9:43, 9:45, 9:47, 12:5; Tia 3:6.  
  

   Já Tratamos dois termos traduzidos em nossas bíblias por ‘inferno’, agora iremos para o terceiro o qual é a tradução mais comum da palavra Sheol, que é Hades. 

    O vocábulo grego haides representa o submundo, isto é, a dimensão dos mortos conforme os escritos clássicos.  Conforme Homero, Hades era o nome tanto do submundo onde os  espíritos que partiram habitam, como o deus deste submundo, também chamado de Plutão, o filho de Cronos e Réia. Sua forma genitiva original, Haidou, isto é “do Hades”,  pode  refletir a idéia de que o submundo pertence ao deus Hades. Na LXX essa é quase sempre a palavra usada para traduzir o sheol exceto uma vez  em 2 Sam 22:6 onde Sheol é traduzido por thanatos, e no novo testamento ela aparece cerca de dez vezes (onze vezes se incluirmos 1 Co 15.55, que tinha a palavra Hades na tradução, mas que provavelmente deveria ser Thánate, (como nos MSS mais confiáveis) um exemplo da tradução de Sheol para Hades está em At 2:27-31(Hades), que cita o Sl 16:10(Sheol).  
  
   O Hades dos gregos tinha duas partes. A parte mais profunda, onde as almas eram castigadas, às vezes era chamada de Tártaro e o lugar das almas abençoadas tinha o nome de Campos Elíseos (Edith Hamilton, Mythology, p.  9). Devemos tomar cuidado ao incluir essas idéias pagãs gregas no vocabulário cristão, assim como a palavra grega theos, ou “deus”, adquiriu um novo significado no conceito judaico e cristão, a palavra hades também não deve ser definida a partir de seu uso grego.       
  No período intertestamentário a palavra Hades sofreu uma evolução em seu conceito, o desenvolvimento da idéia da divisão do Hades em compartimentos separados para o justo e para o ímpio. Esse aspecto da escatologia era um assunto popular na literatura apocalíptica que floresceu nesse período. É notável que o pseudoepígrafo Enoque (escrito c. 200 a.C.) inclui a descrição de uma viagem supostamente feita por Enoque ao centro da terra.  Essa percepção tardia surjiu como consequência do exilio e das dominações seguintes, isso fez com que o conceito de justiça se tornasse mais forte e então essa ideia de divisão foi tomando forma, algumas fontes antigas dividiam o hades em quatro compartimentos outros em dois compartimentos, sempre com intenção de separar o ímpio do justo para a devida punição. Sobre esse novo entendimento Stephen L Harris diz em ‘Understanding the Bible’ “Quando os escribas judeus helenistas traduziram a Bíblia para o grego, eles usaram o termo ‘Hades’ para traduzir Sheol, trazendo uma associação mitológica completamente nova à ideia de existência póstuma. Nos mitos da Grécia Antiga, o Hades, nomeado a partir da deidade sombria que o reinava, era originalmente similar ao Sheol hebraico, um submundo escuro no qual todos os mortos, a despeito do mérito individual, eram indiscriminadamente colocados” mostrando que o conceito de hades que a principio era para manter o mesmo entendimento de sheol começou a mudar graças as influencias Gregas. Essa ideia estava em pauta ainda na época de Jesus, e ele usa desse conceito de Hades dividido em compartimentos para elaborar a parábola do Rico e Lazaro, não com o intuito de trazer detalhes da natureza do ‘inferno’, mas para ensinar uma mensagem aos ouvintes.  

    E por ultimo, o TártaroEsta palavra ocorre uma só vez nas Escrituras, em 2 Pedro 2:4. O apóstolo escreve: “Deus não se refreou de punir os anjos que pecaram, mas, lançando-os no Tártaro, entregou-os a covas de profunda escuridão, reservando-os para o julgamento.  Os gregos viam Tártaro como um lugar subterrâneo, inferior ao Hades, onde a punição divina era infligida; Assim Pedro toma emprestada a palavra inferno da mitologia grega, que designava um lugar chamado Tártarus como  habitação dos perversos. Pedro não usa esse termo para ensinar ou dar sua aprovação à mitologia grega, mas  para falar na linguagem de seus leitores. Eles entendiam que o termo descrevia a parte do inferno onde os piores pecadores eram mantidos. “Assim como Paulo podia citar um verso apropriado do poeta pagão Aratus (At 17.28), assim também Pedro lança mão do uso dessa imagem homérica”. 

    Dentro da comunidade cristã, o termo tártarus não era desconhecido, como fica evidente pela literatura greco-judaica do século primeiro. Pedro estava tentando passar para o publico de sua carta o mesmo conceito do geena, como um lugar de punição para onde vão os mal feitores. Mas os anjos não estão presos, pois se estivessem o que diríamos desses versículos? Jo.1:7; Jo.2:2, alguns poderiam dizer que os anjos foram presos depois da morte na cruz, mas ainda temos: Ef.6:12, 1Pe.5:8. Seria otimo se o diabo estivesse preso, porem essa não é a realidade, ainda hoje toda a humanidade é afligida pelo mal, então se Pedro realmente usou essa palavra tentando trazer a lembrança de punição tal qual a palavra geena nos lembra, isso seria melhor visto como um processo que esta acontecendo e os anjos serão presos futuramente e destruídos com a segunda vinda do Senhor.   
   
   Como vimos o conceito de Sheol traduzido muitas vezes pela palavra ‘sepultura’ teria realmente esse significado a principio como a palavra ‘qeber’, com o passar do tempo ganhou uma denotação mais idealista, poética significando ‘o reino dos mortos’ não necessariamente um reino de mortos vivos, mas o reino da morte, do silencio, buscando referenciar o estado contrario da terra dos viventes, se aqui existe barulho la é silencio, se aqui se louva a Deus lá não se faz mais isso, então o Sheol é esse lugar onde a vida se findava. Eu particularmente penso que é linda este tipo de sabedoria do povo Hebreu que se preocupa com o "hoje", diferentemente de outros povos vizinhos que se preocupam tanto com o " amanhã", não seria por menos, Deus agraciou esse povo com muita sabedoria e confiança, o povo sabia que o dia de hoje bastava porque YHWH cuidaria do dia de amanhã, Mat 6:34  Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará suas próprias preocupações. É suficiente o mal que cada dia traz em si mesmo. 
     
    Voltando, a palavra Sheol tem sua tradução mais comum para o grego usando o termo ‘Hades’ que embora faça parte da mitologia grega, nas escrituras manteve basicamente o mesmo significado, um lugar onde finda a vida. Durante a evolução do conceito de Sheol através dos tempos, começou a surgir uma ideia mais forte de punição e até a de restauração ( futuramente entenderíamos que seria através da ressureição ) e essa ideia de punição se deu com o simbolismo do vale de Hinom, local de sacrifícios a Moloque que depois virou um lixão, onde tinha muito mal cheiro e vermes e essa cena foi utilizada como um símbolo profético (jr 7:31-32) para a punição dos injustos.  E a palavra tártaro, também foi usada por Pedro para trazer a ideia de punição futura como geena, assim tanto homens quanto anjos serão punidos no ‘inferno’. 
Enciclopédia da Bíblia Merril Tenney 
Dicionário internacional do antigo testamento completo , Vida Nova, Ed. 1998.  
The Ancient Hebrew Lexicon of the Bible. 
O Novo Dicionario da Biblia, J.D Douglas, Vida nova. 
Comentário do Novo Testamento - Simon Kistemaker 


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